A farsa da libertação sexual

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Por Guillaume Faye*


A libertação sexual é um dos grandes movimentos ideológicos e políticos que agitaram o Ocidente a partir do começo dos anos 1960. Fortemente ligada ao feminismo político, à dissidência marxista (ou esquerdismo), e também ao anarquismo libertário, a corrente da libertação sexual é um bom exemplo de sucesso metapolítico, já que atingiu seus objetivos – os quais, de qualquer forma, eram parte da tendência dos tempos e talvez ocorressem de todo modo.

O movimento de libertação sexual misturou atropeladamente, como se estivesse completamente descontrolado, todos os seus projetos e objetivos: o fim da família burguesa, da fidelidade conjugal, da virgindade feminina no casamento, da predominância heterossexual, liberdade total para a pornografia, abolição de tabus contra o incesto, pedofilia, e por aí vai. Um grande pot-pourri no qual Eros está notavelmente ausente: um pot-pourri sem o refinamento dos libertinos.

Valorizar o prazer acima de tudo, “gozar sem restrições”, dizia o mote anarquista de Maio de 68. O individualismo mais desenfreado e egoísta estava curiosamente misturado, especialmente na França, com afinidades pela esquerda coletivista. Mas aí não havia contradição. Retrospectivamente, podemos ver que a revolução sexual foi um surto de hedonismo vulgar de origem pequeno-burguesa que queria se emancipar brutalmente das amarras da moralidade sexual cristã. Com algum ilusionismo ideológico, a teoria da libertação sexual (a qual também se referiu frequentemente a si mesma como “revolução sexual”) apresentou-se como a contrapartida de uma revolta anticapitalista e de um neo-marxismo infantil, uma pretensão cuja imbecilidade foi demonstrada por Christopher Lasch (de quem eu falo em outra ocasião), uma vez que o comércio utilizou-se dela como base para um novo negócio. 

Uma ideologia de puritanos

Esta ideologia tem uma origem principalmente Anglo-Saxã (sobretudo estadunidense) e Germânico-Escandinava, ou seja, ela vem de um domínio cultural marcado pelo puritanismo de cunho protestante.
As pessoas se atiraram de cabeça naquilo que pode ser chamado de sexualismo com uma avidez de iniciantes, de filisteus. A libertação sexual, portanto, não tem nada a ver com o espírito libertino refinado, erótico e livre, que em sua liberdade tratava de manter a ordem sem sacrificar o prazer, o que fazia tão discretamente. Uma certa rudeza germânica, um certo embotamento de espírito (bem percebido por Nietzsche) que os Estados Unidos herdaram em parte, percorre todos os movimentos por libertação sexual. Manifestar um desejo de libertação não equivale, em todo caso, a admitir que no fundo se é frustrado?
Puritanos frustrados descobriram o sexo e ficaram fascinados, passando de um excesso ao outro, da mais tola pudicícia ao mais grosseiro despudor, como crianças que encontram o pote de geleia proibido e o devoram aos punhados.
Paradoxalmente, a ideologia da libertação sexual foi mais longe na Europa do que nos Estados Unidos. Isso porque o vírus ideológico ou cultural originado entre a elite norte-americana afeta apenas uma pequena parte da população em geral; e isto é válido em todos os âmbitos. O país das cidades pequenas não é aquele do campus universitário, nem o de Nova Iorque ou California. Ele continuou puritano, mesmo que os EUA tenham inventado as Marchas do Orgulho Gay e a indústria pornográfica.
Mais de sessenta anos depois, as principais metas da libertação sexual se introduziram em nossos costumes. Mas dificilmente pode ser dito que os resultados corresponderam às esperanças. A felicidade universal e a rejubilante liberdade que supostamente viriam da libertação sexual não se realizaram. O grande lema da abolição dos tabus foi às ruas e voltou de mãos vazias – para não dizer que trouxe tabus muito piores do que os precedentes.

As falsas promessas da libertação sexual

Será que a libertação sexual produziu os efeitos esperados, aqueles de realização e de um caminho mítico para o prazer físico e psicológico? Será que nós, como foi prometido, superamos a repressiva e frustrante prisão da sociedade burguesa e entramos em um paraíso de liberdade corporal, como o previsto por Wilhelm Reich e Herbert Marcuse? Certamente não. Na verdade, observamos o oposto – entre as mulheres, assim como entre os homens. Os sonhos de emancipação resultaram em alienação.
A sexualização universal da sociedade triunfou à custa do bem-estar pessoal e da sexualidade equilibrada. As mídias conectam a sociedade em um gigante universo sexual virtual, um simulacro feito de imagens e palavras. Esse mundo onírico consistindo de todas as formas de erotismo – desde a doçura do amor sexual benéfico e equilibrado até às fantasias orgiásticas da pornografia – virou um ideal de massa, mas um inferno no nível individual: o imperativo categórico da satisfação sexual se tornou impossível de atingir. Sonha-se com bolo de chocolate, mas não existe nenhum bolo de chocolate.
A este respeito, a indústria pornográfica de imagens (filmes, revistas), legalizada nos anos 60, e a indústria de encontros eróticos (por telefone ou via internet) torna-se cada vez mais frustrante para milhões de consumidores ingênuos, explorados – porque, obviamente, ela praticamente nunca leva a encontros reais, românticos ou eróticos.
Como sempre, ao tentar substituir o virtual pelo real, a quimera pela realidade, a sombra pela forma, a massas crédulas estão sendo manipuladas e levadas à loucura. O colapso das normas familiares, a retração da cultura da modéstia, a confusão sexual, sexo adulto colocado em mãos de adolescentes despreparados, exibição pornográfica transformada em espetáculo de massa – tudo isso não levou a mais, e sim a menos prazer, não forjou indivíduos mais bem equilibrados, e sim indivíduos bastante desequilibrados.
Aqui precisamos ter em mente o intelectualmente brilhante, mas sociologicamente aberrante, discurso de psiquiatras e filósofos dissidentes freudianos, os quais reprovavam Freud porque sua solução edípica visava reforçar a moralidade social e regular o sexo de acordo com normas sociais. Nos anos 1930, o psiquiatra marxista Wilhelm Reich denunciou o caráter repressivo da família patriarcal. Vinte anos depois, Herbert Marcuse criticou o caráter mortificante de “renunciar aos impulsos” e falou a favor de um tipo de anarquia sexual que colocaria as pessoas no caminho da felicidade e plenitude. Nos anos 70, a corrente francesa anti-psiquiatria trilhou o caminho aberto em Maio de 68. Em sua celebrada obra Anti-Édipo, o “filósofo” Gilles Deleuze e o psiquiatra Félix Guattari defenderam (em termos que soavam quase como demandas políticas) a morte da família como uma prisão opressiva e agora obsoleta (bem no mesmo tom que o novelista decadente André Gide). Eles pregavam a “legitimidade de todo desejo”, mesmo a pederastia, e advogavam “uma sexualidade polimórfica, eletiva, sem considerar a distinção entre os sexos”. Obviamente, eles estavam argumentando em favor de suas inclinações pessoais, mas se esqueceram de que eles próprios haviam sido criados em famílias estáveis.
Estas são as raízes intelectuais da confusão sexual com a qual já estamos familiarizados. Somos golpeados pela ingenuidade, superficialidade e ignorância sociológica destes “pensadores” celebrados. O procedimento deles era idêntico àquele de Lysenko: um discurso dogmático desconectado da realidade e ferozmente hostil à natura rerum [natureza das coisas].
Não é só com a miséria sexual, mas também com a pobreza emocional e familiar que somos confrontados aqui. A liberdade e emancipação individuais parecem produzir, por uma dramática inversão, o isolamento e encarceramento no ego. 
Mas a coisa mais extravagante sobre todo este projeto de “libertação sexual” é que ele não obteve sucesso nem mesmo em definir e sistematizar seus próprios conceitos. Esta ideologia nem sequer conseguiu, por exemplo, identificar as ideias centrais de transgressão e perversão. Quão longe poderia ser levada, exatamente, a libertação individual? Nunca houve nenhuma resposta clara.
De fato, se a liberdade sexual devia ser total, se não devia haver mais nenhuma “norma burguesa”, nenhuma regulação natural, e se a emancipação do desejo individual devia ter prioridade sobre tudo o mais, por que não permitir pedofilia, estupro, incesto (já defendido e glorificado pelo diretor de cinema Louis Malle), bestialidade, tortura ou assassinato por motivos sexuais (temas recorrentes em Sade, um autor muito admirado pelos teóricos da libertação sexual), e assim por diante, ad infinitum?
Esta ideologia mostrou-se incapaz de estabelecer um limite entre o normal e o depravado, o permitido e o proibido, o aceitável e o nocivo, o lícito e o ilícito. No mesmo sentido, os ideólogos da libertação sexual também posam como apóstolos dos Direitos Humanos – o dogmatismo esquerdista exige isto. Mas a contradição é intransponível: pois a liberdade do desejo sem barreiras, proclamada como um direito, automaticamente causa danos aos outros. Isto é ilustrado pela pedofilia, bem como pela propagação da AIDS.

Neste último ponto, a contradição que mencionei tornou-se clara como o dia; pois todos sabem que “comunidade” homossexual masculina contribuiu para a explosão da doença viral, graças ao encorajamento ativo que a homossexualidade masculina recebeu em todo o Ocidente desde os anos 70. Agora, as associações radicais de homossexuais (geralmente ligadas à extrema-esquerda trotskista) é que causaram o maior tumulto a favor do aumento de fundos para pesquisa sobre AIDS, se opuseram a quaisquer medidas “repressivas” contra a “comunidade” mencionada e se posicionaram até contra as medidas profiláticas oficiais, descritas como “discriminatórias”. Parece até que o vírus da AIDS é um tipo de “agente fascista” que ataca os homossexuais para puni-los. Na realidade, a pandemia de AIDS é a consequência lógica e direta da ideologia da libertação sexual, e especialmente da promoção da homossexualidade masculina – para não falar na irresponsabilidade e no hedonismo anárquico dos homossexuais.
Ao rejeitar a própria ideia de ordem, esta ideologia se vira contra si própria. Ela finge defender a harmonia, a liberdade e o fim da opressão, mas acaba construindo um mundo que opera segundo a lei da selva, a lei do mais forte ou mais pervertido. As implicações no âmbito político são as mesmas que no sexual: se o desejo e a liberdade irrestrita consistem em um ideal absoluto, por que contrariar os impulsos do criminoso ou do tirano? O terrorista não é livre para satisfazer seus impulsos, assim como o canibal ou o assassino de crianças?
Encontramos a mesma contradição no que diz respeito a drogas. Nos anos 1960, esta ideologia considerava usar drogas um direito humano, uma forma de libertação – em suma, o uso de drogas era considerado na mesma perspectiva que o sexo: um direito individual absoluto ao prazer. Infelizmente, enormes problemas de saúde pública e criminalidade resultaram do consumo de narcóticos, problemas sem uma solução clara (como em ambos os casos da AIDS e da pedofilia). A propagação da AIDS deve muito à tolerância desenfreada do fenômeno “gay”. Esta ideologia emancipatória carece completamente de qualquer princípio de responsabilidade. Em todos os domínios, suas promessas de felicidade resultam em infelicidade, uma infelicidade pela qual obstinadamente se recusa a assumir responsabilidade. E, ainda assim, esta ideologia pseudoemancipatória dominante continua a impor seu igualitarismo injusto e hipócrita em nome de uma libertação de araque – ela continua com a totalitária e impiedosa repressão de todos aqueles que não seguem seus erros.
Por seus excessos, por seu insensato e profundo equívoco sobre a psicologia humana, a ideologia da libertação sexual corre o grave risco de trazer à tona aquilo contra o que originalmente se rebelou: ela provoca um renascimento do puritanismo bronco como forma de reação. Ela está provocando um contra-ataque, uma repressão sexual real muito mais séria do que aquela suposta repressão burguesa. A intrusão massiva do Islã na Europa, com sua comitiva de mulheres subjugadas, seu obsessivo e rigoroso disciplinarismo, separação dos sexos e machismo, é um sinal perturbador do balanço do pêndulo. Na França, já é crescente o número de moças – majoritariamente de origem imigrante, claro, mas não apenas – que estão tendo seus himens recompostos para “recuperar sua virgindade” antes do casamento. Nós viemos parar bem longe dos devaneios de libertação sexual.

A ilusão dos encontros virtuais

O rebento da revolução sexual e também da internet é o crescimento explosivo de “websites de namoro” (80 por cento orientados para o sexo, os outros 20 por cento explicitamente pornográficos) e redes sociais. Estes mecanismos substituíram o modelo tradicional de encontros diretos e conquista de parceiros, e teoricamente eles oferecem múltiplas oportunidades para relações de todo tipo. Entretanto, os resultados são decepcionantes. Por que?
Porque o virtual nunca poderá substituir o real.
Os sites de internet (Facebook, Meetic, e milhares de outros) baseiam-se em sexo de segunda-mão, virtual e simulado através de uma tela. O primeiro encontro não é natural, ele ocorre na solidão, em frente de um sistema mecânico e tudo o mais vem daí. O diálogo em frente à tela falsifica e desencaminha o resto da relação, porque ele suprime a emoção direta do primeiro encontro e estabelece o relacionamento sobre mentiras, mesmo que elas sejam involuntárias. O acaso do primeiro encontro – em um bar, numa festa, um escritório, ou na casa de um amigo – é substituído por um esforço calculado em frente a uma fria tela de dispositivo eletrônico. A imaginação suplanta a realidade. Romantismo ou desejo são transmitidos por meio de arquivos de computador. Psicologicamente, um contato recebe um certo viés se ele é originado por meio de uma busca online. Se depois você chega a encontrar a pessoa, entende rapidamente que ela não corresponde ao personagem eletrônico com o qual havia conversado.
Ademais, o tempo que se passa tentando encontrar um companheiro na internet é gasto em detrimento de formas humanas de conquista mais antigas e concretas, menos racionalizadas, mas mais efetivas. Relações emocionais e sexuais elaboradas virtualmente não têm nem a densidade, nem o sabor carnal da sedução real. Aqui, novamente estamos atestando os desdobramentos de uma falsa libertação sem efeito real. A sociabilidade virtual via internet tem quase tanta profundidade quanto uma tela plana.
Além disso, são a simulação e as mentiras que caracterizam estas relações, antes de tudo por causa do embuste geral inerente a todos estes sites “picantes” que incitam seus usuários a fantasiar sem que essas fantasias resultem em qualquer coisa concreta, já que os objetivos de tais sites são comerciais. O mesmo vale para todos os incontáveis números de “disk-sexo”. A maior parte dos homens e mulheres que (frequentemente disfarçados) clicam e navegam por estes sites não tem intenção de encontrar ninguém realmente, mas apenas de se distrair em frente às suas telas de computador. A fria mediação da máquina cumpre o papel de manter as pessoas longe da ação na vida real.
A combinação de libertação sexual e internet teve o efeito oposto ao que era almejado: ela simplesmente aumentou a solidão sexual. Os bares estão se acabando ou fechando as portas cada vez mais cedo; salões de dança e discotecas estão definhando (os clubes noturnos são hoje cinco vezes menos comuns na França do que em 1980), agências matrimoniais estão encerrando atividades, e por aí vai. Lugares reais para paquerar e socializar estão gradualmente perdendo espaço para uma busca vã e ansiosa, na qual cada indivíduo está sozinho na frente de uma tela contemplando uma cena com tanta solidez quanto um fantasma: isto é a libertação sexual.

O texto acima é um excerto do livro de Guillaume Faye “Sex and Deviance” (Publicado em inglês pela Arktos, em 2014).

*Sobre Guillaume Faye:
Guillaume Faye nasceu em 1949 e recebeu seu Ph.D. em Ciência Política do Institut d’Études Politiques de Paris. Ele foi um dos principais organizadores do grupo da Nova Direita Francesa GRECE (Groupement de Recherche et d’Études pour la Civilisation Européenne) durante os anos 70 e 80, e ao mesmo tempo cultivou sua carreira como jornalista, particularmente nas revistas de notícias Figaro e Paris-Match. Em 1986 ele deixou o GRECE após um desentendimento com a direção do grupo. Por mais de uma década, trabalhou como locutor para estação de rádio francesa Skyrock, e no programa Telematin que ia ao ar na France 2 TV. Ele voltou ao campo da filosofia política em 1998 quando vários de seus novos ensaios foram reunidos e publicados no volume “Arqueofuturismo”. Desde então, ele produziu uma série de livros que tem desafiado e revigorado leitores por todo o mundo.
Fonte: Right On 

Outro feminismo é possível

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Por: Amarílis Demartini



Quando o assunto é feminismo, a tendência é que sejam trazidas à tona algumas das práticas propagandeadas ultimamente sob esse rótulo – desde os cartazes e panfletos com “x” no lugar de artigos até os protestos com nudez e performances agressivas. Entre os grupos que perpetram tais ações, estão FEMEN (o qual não durou muito no Brasil, mas continua atuando noutras partes), Marcha das Vadias, coletivos universitários ou partidários. Embora tais grupos tenham suas rivalidades, difiram quanto às estratégias e táticas adotadas e ocupem posições aparentemente opostas no espectro político (que vão desde a direita liberal até a esquerda trotskista e anarquista), muito mais expressivas são suas semelhanças, visto que partilham um mesmo arcabouço teórico proveniente do feminismo igualitário.

Em linhas gerais, o feminismo igualitário defende que os diferentes papéis atribuídos a homens e mulheres na sociedade são meras construções sociais, as quais não se sustentam pelas distinções biológicas entre os sexos. Daí à teoria – ou antes, ideologia – de gênero é um pulo, e a adoção desta também parece ser generalizada entre os grupos do feminismo “mainstream”. A ideologia de gênero afirma que o sexo biológico não deve determinar os comportamentos de alguém ou sua “identidade sexual”, que passa a ser uma categoria de livre escolha e invenção, mutável e, por vezes, simplesmente indefinível para o senso comum. A preferência pelo termo “ideologia” deve-se ao fato de que, embora incontáveis páginas tenham sido escritas na tentativa de reforçar tal conjunto de suposições, experimentos científicos de diversos tipos têm apontado conclusões opostas, como bem demonstrou o comediante e sociólogo norueguês Harald Eia em uma série de documentários chamada Hjenervask (“Lavagem Cerebral”). Além disso, casos concretos onde a ideologia de gênero foi posta à prova resultaram trágicos (basta pesquisar, por exemplo, a história de vida do canadense David Reimer).

Entretanto, muitas entre as ditas feministas responsáveis por tais elaborações parecem pouquíssimo preocupadas com a realidade.  Boa parte delas afirma mesmo que ao invés de dois sexos biológicos existem pelo menos cinco, contando as deformidades congênitas causadoras dos três tipos de hermafroditismo como modalidades de sexo biológico possível. A raridade dos indivíduos portadores destes problemas e as complicações causadas para o pleno funcionamento de seus corpos são relativizadas. A tentativa de desconstruir a dicotomia homem-mulher até mesmo em um campo no qual ela se expressa tão obviamente quanto a biologia, reflete as investidas ainda mais incisivas das feministas igualitárias em efetuar a destruição das noções de feminilidade e masculinidade no campo social e cultural. Sendo assim, entre os objetivos mais arduamente perseguidos por estes grupos está o completo aniquilamento de tudo o que se define por mulher, bem como aquilo que se define por homem, até que estas duas palavras não signifiquem mais nada. Ora, por que deveríamos chamar quem está em guerra contra tudo o que é de fato feminino de “feminista”?!

Apesar de muitas vezes estas feministas igualitárias serem confundidas com “as feministas” ou até mesmo com “as mulheres”, elas não são as porta-vozes exclusivas nem do feminismo, muito menos das lutas pelos direitos das mulheres. O movimento sufragista, por exemplo, precede em muito às formulações que consolidariam o feminismo igualitário e teve o apoio de muitas mulheres que mais tarde se oporiam aos rumos que o feminismo estava tomando neste sentido.

Atualmente, “feminismo” é um termo em disputa e tem ganhado os sentidos mais variados ao longo das últimas décadas. Como oposição frontal ao feminismo igualitário, temos o feminismo diferencialista. Este tipo de feminismo manifesta-se em favor das diferenças essenciais entre homens e mulheres, postulando a valorização do feminino, ao invés de sua destruição. A partir desta abordagem, possibilidades completamente diversas podem ser trabalhadas para a atuação feminina, nas quais as diferenças naturais e culturais entre homens e mulheres sejam pelo viés da complementaridade, e não da rivalidade. Não se trata de pregar a submissão da mulher ou de ir contra quaisquer direitos políticos e trabalhistas das mulheres; muito pelo contrário, a ideia é buscar conquistas que reflitam e respeitem a vivência feminina enquanto tal, não só defendendo salários justos para as que trabalham fora, mas também a dignidade da mulher na sociedade enquanto mãe e dona de casa, atividades sem as quais a própria continuidade de nosso modo de vida ficaria comprometida. A questão não é mais sobre colocar um dos dois sexos como o oprimido em absoluto, mas buscar um plano no qual homens e mulheres vejam-se como partes igualmente importantes de um todo maior do que eles mesmos, segundo uma visão holística, e colaborem na consolidação de uma sociedade onde ambos possam se desenvolver plenamente, cultivando assim feminilidade e masculinidade como riquezas.

Entende-se que tal projeto jamais se concretizaria nos marcos do sistema liberal atual, no qual prevalece um individualismo cada vez mais exacerbado, o consumismo é estimulado, assim como a mercantilização de corpos, enfim, em um sistema no qual a desumanização avança a passos largos. A nova proposta de um feminismo diferencialista como entendido aqui, passa necessariamente pelo combate a este sistema, para o qual somente o feminismo igualitário pode ser conveniente. Não é à toa que as teorias igualitaristas citadas anteriormente chegaram à preeminência em órgãos governamentais de países ocidentais e na ONU com o apoio de Fundações como Ford e MacArhtur, entre outros grandes grupos capitalistas. Afinal, os senhores que os controlam não tem o menor interesse em ver homens e mulheres unidos lutando por sua dignidade.

Além disso, um feminismo diferencialista, respeitando as diferenças entre os sexos, logicamente respeitaria também as diferenças entre os povos, opondo-se ao internacionalismo universalista de capitalistas e feministas igualitárias e prezando pela autodeterminação e soberania das nações, para que estas possam dispor livremente, de acordo com seus valores e cultura próprios, de sua feminilidade e masculinidade.

Contra as práticas aviltantes dos grupos “feministas” favoráveis à ideologia de gênero, certos grupos de mulheres militantes pelo mundo já vêm adotando o ponto de vista diferencialista aqui descrito, muito embora alguns destes coletivos rejeitem completamente o termo “feminismo”, por considerá-lo irremediavelmente maculado, e definam-se como “antifeministas”.  Podemos citar entre estas divergentes: as mulheres católicas do chamado “Novo Feminismo”, que priorizam a maternidade como elemento principal da essência feminina; as mulheres islâmicas mobilizadas em rejeição ao FEMEN para afirmar sua identidade e capacidade de lutar por seus direitos segundo seus próprios caminhos; as indianas eco-feministas que se opõem ao controle das empresas multinacionais sobre a agricultura tradicional e pedem penas severas aos estupradores; as francesas do Les Antigones; as espanholas do Circulo Atenea; as mexicanas zapatistas; as argentinas e venezuelanas do Artemisas; nós, brasileiras do Matria; entre outras. A declaração de Katerina Tarnovska, ucraniana campeã mundial de kickboxing e fundadora de uma arte marcial especialmente voltada às mulheres (a Asgarda), pode evidenciar o que faz as mulheres se voltarem a essa versão de feminismo: “Se o feminismo visa defender a posição da mulher na sociedade, então sou feminista. Mas se o feminismo significa que as mulheres são os seres mais fortes e que devem se voltar contra os homens, então não, não sou feminista. Acredito na ordem natural das coisas”. Cabe lembrar, por fim, que o feminismo diferencialista não está em um estágio concluso e definitivo, e que a reverência dessa ideia para com as peculiaridades abarca inúmeras possibilidades e sugestões.

Lutadora da Asgarda, uma arte marcial feminina

 
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